Direitos dos Empregados Domésticos - Parte 1
- Mauricio Bavose
- 11 de nov. de 2024
- 6 min de leitura

Os direitos da maioria dos trabalhadores brasileiros estão previstos na Consolidação das Leis do Trabalho. Como o próprio nome demonstra, ela se trata de várias leis consolidadas, ou seja, reunidas, num só livro. A CLT, como é mais conhecida no universo do direito, foi promulgada em 30 de abril de 1943, por isso muitas das previsões nela contidas necessitavam ser revistas ou atualizadas, uma vez que, naquela época, a realidade social era bastante diferente da atual.
É bem verdade que no início dos anos 1940 havia necessidade de uma legislação protecionista, com a intenção de diminuir o grande abismo entre os trabalhadores e os empresários, donos dos maiores capitais. No entanto, os trabalhadores domésticos não foram englobados em função da informalidade com a qual prestavam seus serviços, bem como em razão da não tão elevada condição econômica de considerável parte daqueles que tomavam seus serviços. Afinal, os serviços domésticos são prestados para indivíduos ou família se não para empresas.
A CLT inclusive menciona em seu artigo sétimo, letra “a”, que seus preceitos não se aplicam a tal categoria de trabalhadores e define os domésticos como sendo aqueles empregados prestadores de serviços de natureza não econômica, à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas.
A definição de empregado doméstico é muito importante, porque é a partir dela que se poderá estabelecer a diferença. Um caseiro que cuida de um sítio de recreação, por exemplo, deve ser considerado doméstico porque o local onde ele trabalha não explora nenhuma atividade econômica, não se trata de uma empresa ou algo do gênero. Isso significa que o empregador também possui suas limitações econômicas, mesmo que se trate de pessoa de uma classe social mais favorecida, porque não há como chegar ao mesmo patamar de empresas propriamente ditas. Por outro lado, se o empregado trabalharem uma fazenda com comercialização de quaisquer de seus produtos ele não é enquadrado como empregado doméstico, mas como trabalhador celetista.
Também é considerado empregado doméstico o motorista residencial, a babá, a enfermeira e a cuidadora, desde que esteja trabalhando exclusivamente para os interesses pessoais e familiares de seus patrões, que não podem ter qualquer lucro às custas do trabalho desempenhado portais pessoas, mas tão somente contratá-los para exercer atividades consideradas uma ajuda no ambiente residencial, mesmo se estendido a locais externos, como é o caso do motorista.
Pela maneira informal com a qual o trabalho doméstico era desempenhado, muitas vezes consistia até mesmo em troca de favores, já que antigamente era comum esses empregados acabarem residindo com seus patrões (fato que perdura revestido de outro rótulo). Assim, a eles não era garantido quase nenhum direito social, muito embora tivessem direito ao pagamento de salários para que não ficasse caracterizada uma verdadeira exploração de mão de obra do homem pelo próprio homem.
Assim, a primeira legislação que, timidamente, previu alguns direitos aos trabalhadores domésticos foi a Lei nº5.859/1972, quase trinta anos depois de a CLT ter sido promulgada. Nela ficava apenas obrigatório o registro do contrato na Carteira de Trabalho e Previdência Social, o pagamento de salários e férias anuais remuneradas, as quais eram de 20 dias úteis, diferente dos demais trabalhadores.
Posteriormente, o vale-transporte previsto na Lei nº 7.418/1985 foi garantido aos domésticos. Contudo, o Brasil não poderia ignorar a evolução mundial, os novos conceitos e as necessidades sociais. Por essa razão, na promulgação da Constituição Federal de 1988 novos direitos foram reconhecidos aos empregados domésticos. Entretanto, eles ainda não representavam a totalidade dos direitos reconhecidos aos demais trabalhadores.
No artigo 7º, a Carta Magna estendeu aos domésticos o direito ao recebimento do salário mínimo (inciso IV), a irredutibilidade salarial (inciso VI), o décimo terceiro salário (inciso VIII), o repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos (inciso XV), as férias anuais remuneradas (inciso XVII), licença-maternidade de 120dias (inciso XVIII), licença paternidade de 5 dias (inciso XIX), aviso prévio de 30 dias (inciso XXI) e aposentadoria (inciso XXIV), todos nos mesmos moldes dos demais empregados celetistas.
Mais adiante, a Lei nº 11.324/2006 foi promulgada e trouxe algumas melhorias, entre elas o fato de proibir descontar do empregado os valores gastos com alimentação e moradia, quando ele morasse e se alimentasse na casa do empregador, já que, antes, isso era possível.
Também em 2006, os domésticos tiveram outros direitos reconhecidos. O repouso aos feriados ou pagamento em dobro, quando trabalhados passou a ser um direito dos domésticos e ficou definido de uma vez por todas que o período das férias dos empregados domésticos seria de30 dias corridos e não mais de 20 dias.
A Lei nº 11.324/2006 ainda concedeu à empregada doméstica o direito de ter estabilidade no emprego, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, já que o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabeleceu essa garantia para as domésticas de um modo geral. Anteriormente, as domésticas grávidas ficavam à mercê da sorte no tratamento dispensado a elas por parte de seus empregadores e ainda, quando reclamavam aos tribunais dependiam da visão e do posicionamento dos julgadores.
Mesmo depois da Constituição Federal de 1988 e da Lei de 2006, os empregados domésticos não tinham direito absoluto ao FGTS, tampouco podiam se habilitar ao recebimento do seguro-desemprego, no caso de perderem o emprego involuntariamente, ou seja, serem demitidos sem justa causa. Nem mesmo as horas extraordinárias prestadas eram pagas aos domésticos em função de os patrões ao argumentarem haver dificuldade para controlar os horários, já que no ambiente residencial é difícil a implantação de um registro mecânico ou eletrônico.
Se não bastasse, as pessoas que trabalhavam em residências menos de seis vezes por semana, mas que prestavam serviço mais de duas vezes eram sempre consideradas “diaristas” e, por essa razão não tinham qualquer direito a não ser a própria remuneração pelo dia trabalhado.
Como o processo evolutivo não pode parar, um país em pleno desenvolvimento não poderia deixar de acompanhar os anseios sociais. A sociedade tinha que avançar e se conscientizar da valorização humana, dia após dia, eliminando tudo aquilo que significasse um retrocesso e ainda o que pudesse gerar o distanciamento entre as pessoas.
Se é inegável a existência de pessoas ou famílias que necessitam de apoio em suas residências para melhor cumprirem as tarefas de suas profissões, também é inegável que tais ajudantes devem ser plenamente reconhecidos e remunerados, inclusive porque cuidam do maior patrimônio de alguém, que é o seu próprio seio familiar.
Em razão de terem acesso a todos os pormenores da família ou da pessoa sob suas responsabilidades, os empregados domésticos são os únicos a estabelecerem um vínculo com bastante intimidade. Por essa razão, não se poderia permanecer colocando-os em segundo plano, concedendo-lhes apenas “migalhas” de direitos ou ignorando a importância dessa categoria de trabalhadores, que lida com o âmago de seus patrões.
A confiança a ser estabelecida deve ser recíproca. É indispensável o prestígio e o reconhecimento do trabalho prestado no âmbito familiar, devendo, se necessário, até mesmo reduzir o número de pessoas favorecidas por esse tipo de trabalho, pois o mais importante é a sua valorização, primando-se pela qualidade e não pela quantidade.
Acompanhando todo esse processo evolutivo, a Emenda Constitucional nº72/2013, regulamentada pela Lei Complementar nº 150/2015, trouxe uma significativa transformação para a categoria dos empregados domésticos. Além de o conceito de empregado doméstico ter sido mantido como constava do texto da CLT, ele foi ampliado para se reconhecer como empregados domésticos também aqueles que trabalham por mais de dois dias por semana, evitando-se artifícios com relação aos diaristas, que passam a assim ser considerados apenas se trabalharem por duas ou menos vezes na semana, no âmbito residencial.
A partir da mencionada lei, os empregados domésticos passaram a usufruir de novos e justos direitos, antes restritos aos demais trabalhadores. A maior parte desses direitos passou a vigorar imediatamente e, para alguns poucos, como o FGTS, o seguro-desemprego e o salário família, foi concedido um prazo para adequação, pois também se tornou necessária uma programação e adaptação por parte dos empregadores.
Desde outubro de 2015 todos os direitos concedidos pela nova legislação já estão em vigor, de modo que os trabalhadores domésticos têm garantidas as verbas e circunstâncias que veremos a seguir, segundo a Lei Complementar nº 150/2015.
Por Isabel Carla de Mello Moura Piacentini é mestre e doutora em Direito pela “Universidad de Castilla La Mancha”, Espanha – “Estudios de De-rechos Sociales para Magistrados de Trabajo deBrasil e Juíza do Trabalho no TRT da 14ª Região.
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